(Premiação Nacional 1º Lugar - Categoria Contos - UFLA Universidade Federal de Lavras - 2013)
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INTROITO A MESTRE PADEDÉ
Velho já foi gente. Fiapo de gente qual criança murcha. Bagaço de laranja. Suco e suco já deu. Já bateu asa à passarinho. Já trepou mil mul’égua (mulé-mula-égua). Velho de vila é véio. Veio e ficou pelos cantos (Esqueciiiiido!). Cantando antigas da girateta. Galo cinza de olhinhos brancos.
- Respeita o véio, que véio-véio é o capeta! Uma mistura de morcego albino com cobra-cega. Véio normal morre em paz. Mas véio-véio não se entrega, até porque morte pouca é bobagem.
A SITUAÇÃO DE PADEDÉ
Velho quando não ta variando, ta fazendo besteira. Velho passa mal e escarra de cima da cama. E se não desce ligeiro, o urinol vira lenda e o velho molha o colchão. Tudo o que tem perereca é:
- Olê olá, mulé da vida!
Meio cisco num olho; cisco inteiro no outro. Velho que não enxerga e não cede, não pode andar de bengala.
- Bengala não é vara de dar pau, Padé!
- Pai D’Égua é a tua matriz, crioulo abusado!
- Ai, Pai Dé! Além de cego e broxa, faz pose de véio surdo!
A enfermeira entra no quarto e ordena:
- Fecha essa boca e engole o sapo do remédio!
Padedé se entrevou de tanto louquear nesta terra. Veio cair no fim do mundo, sem direito a banho quente. Ninguém sabe o que fazer com ele. Ninguém o sabe fazer.
O ELIXIR DA LUXÚRIA
Mestre Padedé, o véio do leito treze, reza a Cartilha Carnavalha:
- Carnaval. Carne e navalha!
E, rezando, reinventou a Roda das Curas: agrião, cachaça e versopião (um qualquer verso cantado em corrupio).
INDAGAÇÃO E SANGUE VIVO
Perguntou o tal Zé Palito se esquivando pra não beliscar a má sorte:
- E qual a feminina de Cachorrão Orelhudo?
- Mulata Sem Cabeça! - Respondeu Padedé quase afoito. E Padedé quando se afoita, sai da volta, a navalhada assovia, rasga e zuni todo o ar, lavra e lava a carne fraca. Borboleta afiada. E fica um rastro molhado a pintar mangues de vermelho.
Padedé - afoito - é o cão chupando manga.
FORTAIA E CARNAVALHA
"Nu-samba-da-putanga. / Teta é teta. / Bico-beiço e girateta. / Teu-tapa-sexo, / teu-tapa-sexo, / teu-tapa-sexo, / teu tapa... / sexo."
A enfermeira do turno:
- Delira não, véio babão! Agarra e vai fazer versos pro Santo!
- Sou viúva e negra preta, mas é sem aranha pra ti! Pinto fraco não para em pé.
- Ra-ra-ra-ra-ra-ra-ra! (Gargalhada de Pomba Gira).
O velho ardido revira a língua por fora e dentro da boca pela gengiva careca. Voz de tosse afogada:
- Inventaram dedo pra quê? E gemada? E fortaia?
CHÁ DE PÉU É CHAPÉU
"U'a vez ronquei taurino! / Abri um bucho Severino! / Queria a água do poço, / pra tirar o pó da goela... / Mas recebi Virgulino e / falou alto a cobiça: / Olha o chapéu do Sinhô... / Olha o chapéu na cabeça... / Rasga do bucho à moela! / Rasga do bucho à moela! / Pega a muié do home! / Pega a muié do home! / Pega a muié, zomba dela! / Pega a muié, zomba dela! / Vai pulando a Carnavalha. / Vai abanando o chapéu. / Enquanto o boneco estrebucha, / manda a boneca pra o céu!"
- Ó o chá de péu, Padedé! Ó o chá de péu, Padedé! Por que fez isso com ela, ó maldade?! - suspirou Zé Palito.
O TREZE DA MORTE
Treze é o "Leito do Embarque". Todo mundo sabe, mas faz de conta que não vê.
Blaudelino (O Vassourinha) inda ontem foi pra lá. O dia mal clareou e o viado já tava comendo capim pela raiz.
Padedé retruca para a "bicha" Zé Palito:
- Não sei por que me trouxeram pra cá?!
- Nhô Pai, fecha o zóio e descansa!
O quarto é azulzinho como o céu... Lençol e fronha limpa... tem até um penico de louça no costado do móvel.
A moça grande entra, mas logo sai do treze.
- Uma alcatra dessas e eu aqui sem os 'dente'!
- Ai Padé! Que véio 'senvergonho'!
VÉIO MELHOROU
Coisa ruim não morre. O Coisa-Ruim engana a morte. Velho é boneco de pau: enferruja os parafusos, mas a madeira é de lei. Não tem nem pra cupim. Padedé amanheceu iluminado; semblante tranquilo...
- Ai credo! Nem parece Padedé.
E o velho que só abre meio olho bate a perna direita e grita:
- Fia da Poliça! O tinhoso ‘ta acocorado na cabeceira da cama!
E continua...
- Tira essa cruz sem fixo de riba das ‘minha guampa’, ó Zé!
O véio floreia nome feio quando a ameaça se apresenta.
- Te aquieta Pai! Descansa o corpo sossegado!
Mas Padedé já viveu de teimoso. E, na teimosia, não se entrega.
Zé Palito, coração mole, resolve sangrar Padedé, ali mesmo, assim, na cama... E desabafa a guria num corpinho de macho:
- Padé não merece tal danação!
Escancara a garganta do véio, que canta um último grunhido e se apaga.
Foi o fim do traste material, que gelou mansinho confirmando a sina do leito treze.
- O diabo que te carregue um ovo! Pelado eu sou mais eu. Já que virei vento moço, deixa que eu voo sozinho!
E Padedé desaparece na poeira vermelha assoviando a tal Carnavalha.
FIM
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